sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Secretaria de Educação de Fortaleza paga R$ 600 mil para estudantes assistirem o Circo do Tirullipa

Para professores da rede pública, a cena é emblemática: em meio a greves, protestos e falta de valorização, o prefeito Evandro Leitão prefere financiar um espetáculo circense do que investir nas salas de aula

Uma denúncia revelada pelo jornalista Edson Silva, na TV da Transparência, trouxe à tona uma nova controvérsia envolvendo a aplicação de recursos públicos na gestão do prefeito Evandro Leitão (PT). Segundo documentos publicados no Diário Oficial do Município, a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza destinou R$ 600 mil ao Circo do Tirú, do humorista Tirullipa, para apresentações voltadas a alunos da rede pública municipal. O contrato, firmado sob o argumento de “inexigibilidade de licitação”, teria sido realizado para a “aquisição de sessões para participação de alunos e profissionais da Educação da rede pública de Fortaleza” no espetáculo “Nordestinamente – Em busca do primeiro Palhaço”, apresentado em um shopping da capital cearense. A informação ganhou força após denúncia do vereador Julierme Sena (PL), que questionou o uso de verba da educação em um evento de entretenimento privado e sem processo licitatório.

O caso foi classificado por parlamentares da oposição como um desperdício de dinheiro público e um desvio de finalidade, uma vez que o recurso usado não é da Cultura, mas da Educação. A prefeitura justificou o gasto como parte de uma ação “pedagógica, artística e formativa”, alegando tratar-se de uma iniciativa dentro da proposta de educação integral. No entanto, a destinação de R$ 600 mil a um espetáculo circense, enquanto escolas públicas enfrentam deficiências estruturais, tem sido vista por professores e servidores da rede municipal como um símbolo de inversão de prioridades. A ausência de licitação e o alto valor do contrato reforçaram as críticas, especialmente porque o evento foi realizado em espaço privado e com sessões também voltadas ao público pagante, o que descaracteriza o conceito de “cota social”. Em vez de promover o acesso gratuito à cultura, a prefeitura teria pago caro por um benefício que tradicionalmente é oferecido pelos próprios artistas como contrapartida social.

A polêmica surge em meio a um cenário já conturbado entre o governo do PT e o magistério público no Ceará. Nos últimos meses, o governador Elmano de Freitas (PT) e o Sindicato Apeoc, ligado à base petista, vêm enfrentando críticas intensas de professores da rede estadual, que denunciam defasagem salarial e insatisfação com os reajustes concedidos. Em fevereiro deste ano, o governador anunciou um aumento de 6,27% no piso estadual dos professores, retroativo a janeiro de 2025, o que foi celebrado por parte da base governista, mas considerado insuficiente por grande parte da categoria, que aponta perdas acumuladas e falta de reposição integral. O clima de descontentamento cresceu após assembleias tumultuadas, nas quais professores acusaram a direção do Apeoc de manobrar para evitar votações de greve e sufocar mobilizações autônomas da classe, denunciando “burocracia sindical” e “aparelhamento político” dentro da estrutura do sindicato.

Paralelamente, docentes das universidades estaduais também protagonizaram greves e protestos, cobrando reajustes, melhores condições de trabalho e investimentos em infraestrutura. O próprio governador Elmano chegou a minimizar as críticas dos grevistas ao afirmar, em entrevista, que os salários médios dos docentes já seriam elevados e que parte das reivindicações não condizia com a realidade financeira do estado — declaração que foi recebida com indignação por setores da educação superior. No âmbito municipal, professores de Fortaleza têm feito manifestações em frente à prefeitura, pedindo o cumprimento do reajuste de 10,09% e valorização da carreira, além de melhorias em benefícios como o auxílio-alimentação e as condições de trabalho. A insatisfação é antiga e demonstra que há uma relação desgastada entre o poder público e os profissionais da educação nas esferas estadual e municipal.

O episódio do Circo do Tirú, portanto, não ocorre de forma isolada. Ele se insere em um contexto de tensão crescente entre o governo petista e os educadores cearenses, que se sentem desrespeitados e preteridos em meio a gastos milionários com publicidade e eventos culturais de caráter duvidoso. Professores e analistas criticam o que consideram uma tentativa de substituir políticas estruturais por gestos de marketing político, com foco em visibilidade e entretenimento. A ligação entre o humorista Tirullipa e o Partido dos Trabalhadores também levantou suspeitas sobre possíveis favorecimentos, já que o artista participou recentemente de campanhas publicitárias do Governo do Estado do Ceará, também comandado pelo PT. Para a oposição, isso reforça o caráter político do repasse e abre espaço para questionamentos sobre o uso da máquina pública em benefício de aliados midiáticos.

Enquanto escolas da capital enfrentam problemas de infraestrutura, carência de climatização e falta de materiais pedagógicos, a prefeitura gasta R$ 600 mil em um espetáculo de humor. O caso expõe, segundo críticos, a fragilidade da gestão pública no trato com as prioridades da educação e a falta de transparência em contratos firmados com a justificativa de “inexigibilidade de licitação”. A denúncia de Edson Silva e a repercussão do caso na TV da Transparência colocam o prefeito Evandro Leitão sob pressão para explicar como e por que esse contrato foi autorizado, quais pareceres jurídicos o embasaram e qual o real impacto pedagógico de um investimento tão alto em um evento de caráter comercial.

Para professores da rede pública, a cena é emblemática: em meio a greves, protestos e falta de valorização, o governo municipal prefere financiar um espetáculo circense do que investir nas salas de aula. O repasse ao Circo do Tirú, revelado em detalhes pela imprensa cearense, tornou-se o símbolo de uma política educacional que, nas palavras de um docente ouvido pela reportagem, “escolhe o riso em vez do respeito”.

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