sexta-feira, 17 de outubro de 2025

UFC concede título de Doutor Honoris Causa ao bailarino e professor Flávio Sampaio

Em cerimônia marcada por falas tocantes, o bailarino Flávio Sampaio foi ovacionado ao receber o título de Doutor Honoris Causa da instituição nesta quarta-feira, dia 15. Na plateia estavam alunos e ex-alunos, amigos e colegas de profissão – uma pequena amostra das milhares de vidas transformadas por Flávio e seu trabalho, em mais de 50 anos de carreira.
Foi a primeira vez que a UFC reconheceu um artista da dança com o título, a partir de decisão unânime do Conselho Universitário (Consuni) em janeiro deste ano. A honraria é atribuída a personalidades de projeção nacional ou internacional que tenham contribuído, de modo notável, para o progresso das Ciências, das Letras, das Artes ou da Cultura.
Bailarino, professor, coreógrafo, diretor cênico e pesquisador Flávio Sampaio tem reconhecida trajetória artística e atuação política na área da dança. Em 1998, idealizou e dirigiu o Colégio de Dança do Ceará, um precursor da formação pública em dança no estado que serviu de modelo pedagógico para a criação do Curso Técnico em Dança, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.
Natural de Paracuru, cidade do litoral oeste do Ceará, ele também fundou em sua cidade natal a Escola de Dança de Paracuru e a Paracuru Cia. de Dança. Ao longo de duas décadas, ensinou a dança a cerca de 3.200 crianças e adolescentes.

PIONEIRISMO – A mesa da cerimônia foi composta pelo reitor Custódio Almeida; pela vice-reitora Diana Azevedo; pelo pró-reitor de Cultura, Sandro Gouveia; pelo diretor do Instituto de Cultura e Arte da UFC (ICA), Ivânio Lopes Júnior; pela secretária executiva de planejamento e gestão interna da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult), Gecíola Fonseca (representando o Governo do Estado); e a vice-diretora do ICA, Denise Vendrami Parra.
Além de outros gestores da universidade, a ocasião também teve presença expressiva de professores e professoras do Instituto de Cultura e Arte da UFC (ICA), unidade acadêmica que propôs a homenagem. Duas delas – Rosa Primo e Rosa Ana Fernandes de Lima, que contribuíram ativamente para a construção e aprovação da outorga – acompanharam Flávio em sua entrada no auditório. No momento da entrega do título, o bailarino foi aplaudido de pé.
Em sua fala, Denise Parra celebrou a trajetória de “um homem que é, em si, dança” e que abriu caminhos, ressaltando, sobretudo sua contribuição ao romper com os rígidos padrões corporais e metodológicos impostos pelo ballet clássico e seu pioneirismo na construção de políticas públicas para a dança no Ceará.
“Flávio fez da dança não apenas uma profissão, mas um jeito de ensinar a amar, amar o corpo em sua diversidade, amar o gesto em sua singularidade, amar o outro em sua diferença. Em sua sala de aula em Paracuru, ou nos grandes centros culturais do Brasil e do mundo, ele converteu o ensino da dança em uma pedagogia do cuidado”, pontuou a docente.
“Ao escrever obras com ‘Ballet essencial’ e ‘Balé passo a passo’, Flávio sistematizou um saber que rompe com modelos excludentes. Sua contribuição é, portanto, tríplice: estética, pedagógica e política. Estética porque sua dança abriu novas formas de sentir e de imaginar; pedagógica porque sua sala de aula se fez território de invenção, não de submissão; e política porque seus projetos descentralizaram a cultura e possibilitaram que a dança se tornasse experiência de pertencimento e de construção coletiva”, resumiu.
INOVAÇÃO E ACOLHIMENTO –  Com jeito contido, mas visivelmente emocionado, Flávio entregou um discurso no qual recordou sua ancestralidade, a descoberta orgânica de sua arte ainda na infância (quando costumava dançar na praia para assistir à própria sombra), as pessoas que lhe ajudaram no início dos estudos e da carreira, os desafios enfrentados e a redescoberta de propósito no ensino.
Filho de um pescador e uma dona de casa, chegou a estudar no Colégio Militar em Fortaleza – para o pai, a disciplina o “curaria” daquelas “esquisitices”. “Essa foi a minha primeira grande luta, ser aquilo para o qual havia nascido. Em 1974, me iniciei na dança na Escola de Balé do SESI, escola gratuita para filhos de operários. A carreira militar não cabia naquele corpo repleto de poesia”, recordou Flávio.
Dez anos depois, já como bailarino do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sofreu um grave acidente em cena, que lhe tirou os movimentos das pernas.
“Naquele momento, precisei compreender quem era de fato o filho do pescador, e qual era o seu lugar no mundo. Entendi que a lordose ampliada, herdada da minha bisavó negra, e as costelas saltadas, herdadas da avó indígena, foram causas importante para o meu acidente, e que ele poderia ter sido evitado se o meu aprendizado do balé tivesse considerado o meu corpo marcado pela ancestralidade indígena e africana”, contou.
“Ao me tornar professor, busquei nessa dança outras percepções, que se ajustasse aos pés descalços das crianças do meu país, às suas pernas arqueadas e suas peles queimadas de sol”, continuou o homenageado.
MESTRE E REFERÊNCIA – Para Flávio, esse “longo processo antropofágico” foi justamente sua maior contribuição, por meio do qual pôde oferecer aos seus alunos em Paracuru “uma dança que tem como princípio as suas próprias histórias”.
O bailarino aproveitou ainda para agradecer a todos que contribuíram para aquele momento, desde seus primeiros professores de dança – Dennis Gray (1928-2006) e de Jane Blauth (1937-2012), “que me retiraram das fileiras do Colégio Militar e me colocaram definitivamente no palco, concedendo um enorme benefício ao exército brasileiro”, brincou, arrancando risos de toda a plateia.
Encerrando a cerimônia, o reitor Custódio Almeida descreveu o homenageado como “mestre e referência de uma arte que prima por explorar as diversas possibilidades do corpo humano e de ser humano. Flávio coloca-se para outras pessoas no mundo na medida em que sua perspectiva de encontro, de pedagogia, de partilha de repertórios e vivências transborda. Transcende nas diversas reinvenções que cultivou, produziu e criou na arte da dança, desafiando as possibilidades de uma sociedade ainda conservadora e reacionária, sobretudo pouco afeita ao belo servindo como disrupção para pequenas e grandes  revoluções".
Fotos: Viktor Braga/UFC

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