Em Fortaleza, o debate sobre o Plano Diretor se tornou recentemente um campo de batalha entre visões antagônicas de cidade. De um lado, há quem defenda o planejamento urbanístico com participação popular e preocupação socioambiental; de outro, forças políticas e econômicas pressionam por flexibilizações que favorecem a construção civil, mesmo à custa de áreas verdes e de moradia popular.
O emendão no Plano Diretor: retrocesso disfarçado
Na Câmara Municipal, os vereadores Gabriel Aguiar (PSOL) e Adriana Gerônimo (PSOL) denunciaram, na manhã do dia 19, o chamado “emendão” apresentado pelo presidente da Casa, Léo Couto (PSB). Segundo eles, o documento — com mais de 120 páginas — representa um retrocesso, pois “descaracteriza” o Plano Diretor originalmente enviado pelo prefeito Evandro Leitão (PT), aprovado após um ciclo participativo.
Gabriel e Adriana afirmam que não foram chamados para dialogar sobre essas emendas, o que revela uma dinâmica pouco transparente. Já o presidente da Câmara, Léo Couto, diz que o texto é fruto de um consenso entre 34 vereadores, equilibrando interesses do Sinduscon (sindicato da construção civil) e de movimentos sociais.
O problema concreto, segundo o O Povo, é que muitas dessas emendas favorecem a construção e atacam zonas sociais e ambientais: 25% das propostas alteram o zoneamento ambiental ou social para atender às construtoras, segundo análise do jornal. Há projetos que reduzem áreas de proteção (“ZPA”) ou flexibilizam regras de uso oneroso nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), afetando principalmente a população mais vulnerável.
Críticos argumentam que a mudança não é técnica, mas ideológica: favorecer lucro imobiliário em nome de “desenvolvimento”, enquanto se deixa de lado a justiça social e a proteção ambiental. Para Gabriel e Adriana, o “emendão” prejudica habitação popular e entrega a cidade para a construção civil, com pouco compromisso ambiental.
A destruição da Floresta do Aeroporto
Se esse ataque ao Plano Diretor já é grave, ele se conecta diretamente com outro problema: a recente devastação de cerca de 46 hectares da chamada Floresta do Aeroporto, no entorno do Aeroporto Internacional Pinto Martins, para dar espaço a um empreendimento logístico.
A Semace, órgão ambiental estadual, concedeu licença para a empresa Aerotrópolis / Fraport iniciar supressão vegetal. Técnicos da Semace, após vistoria, encontraram irregularidades: desmatamento em APP (Área de Preservação Permanente), manejo inadequado da fauna e supressão além dos limites autorizados. Em resposta, a Sema e a Semace suspenderam as licenças.
Mas há mais: o Ministério Público do Ceará (MPCE) também entrou no caso. Ele já vistoriou a área e instaurou investigação para apurar crimes ambientais. Uma nota de repúdio de pós-graduandos da UFC lembra que a floresta está protegida pela Lei da Mata Atlântica, e que sua destruição foi feita com aval estatal – o que torna o episódio especialmente simbólico.
Além disso, especialistas criticam duramente a conivência da Semace: embora tenha autorizado a licença, não teria sequer enviado fiscais para vistoriar durante o desmatamento. Há ainda questionamentos do MP sobre a avaliação da vegetação feita no licenciamento: a empresa afirma que parte é mata em regeneração, mas o MP aponta que há vegetação de médio e grande porte e exige critérios mais rigorosos.
Um grupo de trabalho do governo do Estado foi criado para apurar as irregularidades, mas muitos veem isso como gesto simbólico diante da gravidade: foi aplicada multa à empresa, mas críticos dizem que o valor parece pequeno se comparado ao dano ambiental causado.
Prefeitura e Governo Estadual do PT no Ceará como cúmplices de uma grande máquina de destruição
Podemos traçar uma analogia: o que estamos vendo em Fortaleza é como se o Prefeito (via Plano Diretor) e o Governo do Estado (via licenças ambientais) estivessem atuando como dois engrenagens de uma mesma máquina de destruição — uma máquina bem lubrificada para gerar lucro para a construção civil, mas letal para o meio ambiente e para a população mais vulnerável.
No Plano Diretor, a prefeitura abre espaço para mais construções, reduz zonas de proteção e enfraquece instrumentos que poderiam garantir moradia digna para os mais pobres.
No entorno do aeroporto, o Estado autoriza a derrubada de floresta nativa para dar lugar a galpões logísticos, mesmo diante de alertas e irregularidades.
É como se dissessem: “o importante é construir, o importante é crescer”, enquanto árvores, nascentes, fauna local e o direito à cidade são tratados como obstáculos menores — quase como supérfluos, diante do que é considerado “desenvolvimento”.
Essa lógica reforça uma visão predatória de cidade, em que os interesses privados (construtoras, empresas logísticas) saltam à frente das necessidades coletivas: proteção ambiental, justiça social, bem-estar urbano.
O “emendão” no Plano Diretor não é apenas uma questão burocrática: ele representa uma disputa profunda sobre que cidade queremos — se uma cidade para todos ou uma cidade para poucos.
A destruição da Floresta do Aeroporto é um símbolo desse modelo predatório: mesmo com leis de proteção, mesmo com vozes de alerta, está se sacrificando ecossistemas importantes para abrir espaço a empreendimentos com grandes lucros.
Prefeitura e Governo do Estado, ao atuarem em sintonia para flexibilizar normas ambientais e urbanísticas, estão se posicionando como cúmplices de um projeto que privilegia empresários e despreza o bem comum.
Se formos coerentes, precisamos denunciar essa apropriação da cidade pelo capital imobiliário e defender um modelo de cidade realmente sustentável — ambientalmente, socialmente e democraticamente.
O silêncio ensurdecedor da imprensa cearense
Enquanto tudo isso acontece, a maior parte da imprensa cearense mantém um silêncio conveniente — ou, quando fala, trata o tema com profundidade rasa, como se estivesse fazendo um favor.
As reportagens são tímidas, superficiais, sem questionamento real, quase sempre reproduzindo versões oficiais, notas técnicas e discursos prontos. Críticas estruturais aos projetos e às responsabilidades políticas quase não aparecem.
E por quê?
Porque os grandes veículos locais — que deveriam fiscalizar, investigar, questionar — dependem dos robustos contratos de publicidade institucional da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Ceará.
É difícil morder a mão que paga.
O resultado é uma imprensa capturada, que noticia o fato, mas evita a análise profunda. Informa o ocorrido, mas não confronta o poder. Explica o desmatamento, mas não diz quem ganha com isso. Comenta o Plano Diretor, mas não escancara a força do lobby imobiliário.
E nesse clima, o que deveria ser escândalo vira nota de rodapé. O que deveria abrir telejornais vira uma matéria neutra, colada entre anúncios de obras e releases governamentais. A cidade arde, mas a manchete sorri. Uma grande máquina de destruição, com silêncio para lubrificar.
ALERTA TOTAL: ATO PARA SALVAR FORTALEZA DO FIM
Fortaleza está diante de um dos momentos mais graves da sua história urbana. O Plano Diretor — que deveria garantir uma cidade justa, inclusiva e sustentável — está sendo desmontado para favorecer interesses privados, reduzir áreas de proteção, enfraquecer as ZEIS e expulsar ainda mais o povo para as periferias.
Diante desse cenário de destruição da cidade que queremos e merecemos, não podemos mais ficar calados.
O Campo Popular convoca toda a população para um grande ATO em defesa da Fortaleza que nasce da participação, da justiça urbana e do direito coletivo ao território.
📢 MANIFESTAÇÃO: SALVAR FORTALEZA DO FIM
🗓 25 de novembro (terça-feira)
⏰ 8h30 da manhã
📍 Câmara Municipal de Fortaleza
Rua Dr. Thompson Bulcão, 830 — Eng. Luciano Cavalcante
Este é o momento de mostrar que a cidade é construída com o povo e para o povo — não para meia dúzia de empresários que querem transformar Fortaleza em mercadoria.
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