domingo, 12 de outubro de 2025

Ambulantes da Beira-Mar denunciam perseguição e falta de diálogo em novo reordenamento da Prefeitura de Fortaleza

Comerciantes protestam contra a mudança de horários, denunciam truculência na condução do processo e apontam relação entre o reordenamento e a chegada de empreendimentos de luxo na orla. Manifestação dos ambulantes está marcada para segunda-feira (13), às 16h, em frente à estátua de Iracema Guardiã

A partir da próxima segunda-feira, 13 de outubro, os comerciantes e ambulantes da Beira-Mar de Fortaleza deverão iniciar um novo sistema de revezamento de horários, medida que integra o plano de reordenamento urbano anunciado pela Prefeitura. Segundo o município, a alteração tem como objetivo “garantir segurança, acessibilidade e harmonia urbanística” na orla, mas os trabalhadores denunciam que a decisão foi imposta sem diálogo, ameaça o sustento de centenas de famílias e beneficia grandes empresas que estão se instalando na região.
De acordo com o novo modelo, os ambulantes precisarão se dividir em dois turnos de funcionamento: das 5h às 16h30 e das 17h à meia-noite. O formato será implantado inicialmente no Trecho 1, entre as ruas João Cordeiro e Ildefonso Albano, e depois estendido gradualmente aos demais trechos da Beira-Mar. O revezamento, segundo a Prefeitura, busca reorganizar o uso do espaço e reduzir a superlotação de determinados pontos.
Entretanto, os trabalhadores afirmam que a medida é inviável e desumana, já que o trabalho sob o sol intenso e as altas temperaturas da capital cearense tornam o período diurno insalubre e economicamente impraticável. “Durante o dia, não há movimento suficiente para manter nosso sustento”, afirma a nota pública divulgada pela categoria. Os ambulantes também denunciam que foram pressionados a assinar documentos sem explicações adequadas, sem receber segunda via e, em alguns casos, impedidos de registrar fotos dos papéis entregues por representantes da Prefeitura.

“Não há diálogo, apenas imposições”

A categoria acusa o secretário responsável pelo ordenamento, Márcio Martins (SER 2), de conduzir o processo sem escuta e com autoritarismo. “O secretário não tem tratado os ambulantes com o respeito que merecem. Não há escuta, apenas imposições que ignoram a realidade de quem vive do trabalho nas ruas”, diz o texto. Os trabalhadores reforçam que o horário noturno é o único que oferece segurança, movimento de turistas e viabilidade comercial, e que qualquer mudança deve ser discutida de forma participativa.

Em áudios vazados de Márcio Martins, enviados em grupos de vereadores, o secretário afirmou que não teme as manifestações dos ambulantes e que não pretende coibi-las — até porque isso é contra a lei. No entanto, ele declarou que a meta dessa primeira etapa do reordenamento é retirar 40% dos ambulantes da orla. Nos mesmos áudios, o gestor reconhece ter recebido “pedidos fora da lei” de alguns vereadores — sem citar nomes —, o que levanta questionamentos sobre quem são os parlamentares envolvidos e quais tipos de solicitações foram feitas.

Reordenamento e avanço de grandes empreendimentos

O processo de reestruturação da Beira-Mar coincide com o início das obras de instalação de novos restaurantes e bares de luxo nos espigões, administrados por grandes grupos empresariais. A coincidência despertou desconfiança entre os trabalhadores, que apontam o reordenamento como uma tentativa de afastar o comércio popular e preparar o terreno para o turismo de alto padrão.

“É uma coincidência muito conveniente: enquanto surgem os restaurantes das grandes empresas, a Prefeitura tenta reduzir o número de ambulantes. Estão nos estrangulando para abrir espaço para os ricos”, denuncia um dos representantes da categoria.

Segundo o Diário Oficial, novas concessões, renovações e transferências de titularidade estão suspensas por 180 dias, atingindo diretamente cerca de 1.700 ambulantes que possuem permissão para atuar ao longo dos 5 km de orla. O reordenamento é conduzido pelas Secretarias Regionais 2 e 12, com apoio da Coordenadoria Especial de Apoio à Governança das Regionais (Cegor) e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).

A gestão municipal afirma que tem oferecido apoio psicológico, social e capacitações aos permissionários, com cursos de atendimento ao público e gestão de pequenos negócios, além da criação de “ilhas de comércio” com espaçamento de dez metros entre cada ponto. A promessa é que o processo seja conduzido “com acolhimento e cuidado”.

Mas entre os trabalhadores, o sentimento é outro. “Não pedimos privilégios. Pedimos respeito, dignidade e o direito de trabalhar em condições humanas e sustentáveis”, reforçam. Muitos afirmam que, sem o horário noturno, as vendas vão cair drasticamente e a renda desaparecerá, comprometendo o sustento das famílias que dependem exclusivamente do comércio informal.

Manifestação nesta segunda-feira

Em protesto contra o novo modelo, os ambulantes da Beira-Mar convocaram uma manifestação pública para esta segunda-feira, 13 de outubro, às 16h, em frente à estátua de Iracema Guardiã, na Praia de Iracema. O ato deve reunir centenas de trabalhadores e contará com discursos denunciando truculência, perseguição política e falta de transparência no processo.

Os organizadores também prometem cobrar explicações sobre os áudios vazados do secretário Márcio Martins e sobre o suposto favorecimento a grandes empreendimentos que estão se instalando nos espigões.

Até o momento, a Prefeitura de Fortaleza não se pronunciou oficialmente sobre as denúncias feitas pelos ambulantes nem sobre a manifestação convocada.

O impasse reacende um debate histórico na capital cearense: quem tem o direito de ocupar e viver da Beira-Mar — os trabalhadores populares que sempre deram vida ao espaço, ou os grandes grupos empresariais que transformam a paisagem em vitrine para o turismo de luxo.

Enquanto o ordenamento avança e os novos restaurantes se erguem, os ambulantes prometem resistir. “A Beira-Mar sempre foi o espaço do povo. E é o povo que vai lutar para continuar nela”, afirma um dos líderes da mobilização.

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