Local abrigará a exposição “Mulheres em Luta! Arquivos de memória política” a partir de 12 de setembro
A Galeria da Liberdade abre a mostra “Mulheres em Luta! Arquivos de memória política” no dia 12 de setembro, às 16h. A exposição é uma itinerância do Memorial da Resistência de São Paulo. A Galeria da Liberdade faz parte do conjunto arquitetônico do Palácio da Abolição, gerida pelo Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS CE). O MIS integra a Rede Pública de Equipamentos Culturais (Rece) do Governo do Ceará, vinculada à Secretaria da Cultura, com gestão parceira do Instituto Mirante. A abertura da itinerância terá presença da diretora técnica do Memorial da Resistência, Ana Pato; da artista Bianca Turner; da advogada e ex-presa política, Rita Sipahi, e da sobrinha do Frei Tito de Alencar, Lúcia Alencar.
A abertura da Galeria da Liberdade afirma a centralidade da luta pela garantia de direitos humanos na construção de uma sociedade democrática, diversa, justa e saudável, na qual a cultura e a educação são fundamentais para o exercício pleno da cidadania.
A Galeria da Liberdade se estabelece como um espaço de difusão, com mostras que têm como eixo a luta pelos direitos humanos no Ceará, no Brasil e no mundo, evidenciando as tramas políticas, geográficas e afetivas da História. O espaço afirma-se também como um local de encontro para diversos públicos e vozes, buscando construir diálogos na revisão das estruturas que ainda discriminam e violentam pessoas cotidianamente. Ao longo do ano, serão realizadas exposições, aulas abertas, seminários, rodas de conversa e outras ações formativas gratuitas e abertas ao público.
Nova exposição em cartaz
A exposição “Mulheres em Luta! Arquivos de memória política” tem curadoria de Ana Pato e Carolina Junqueira, sendo uma itinerância do Memorial da Resistência de São Paulo. A mostra tem como fio condutor o acervo de história oral do Memorial da Resistência de São Paulo, que compõe o programa Coleta Regular de Testemunhos, com depoimentos de mulheres que vivenciaram a violência de Estado no período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985).
A mostra lança um olhar para o período da Ditadura Civil-Militar sob a perspectiva de gênero. Nesta itinerância, testemunhos de mulheres que integram o acervo de História Oral do Memorial da Resistência de São Paulo são reunidos na instalação “Partitura da Escuta” (2023), de Bianca Turner. As falas revelam como a luta por Memória, Verdade e Justiça se tornou uma expressão constante na busca de esclarecimentos e ações de reparação diante de violações de direitos humanos e autoritarismo.
Por meio de 22 testemunhos, a exposição aborda as lutas coletivas de mulheres brasileiras por Memória, Verdade e Justiça e por direitos fundamentais. Pelo que lutam? Como lutam? Quais são suas histórias?
As narrativas dessas mulheres estão em diálogo com o pensamento da historiadora, militante e poeta Beatriz Nascimento, que se destacou como intelectual que contribuiu para pensar a sociedade brasileira no contexto da Ditadura Civil Militar, confeccionando resistências através das suas reflexões. A exposição destaca, ainda, o imaginário de luta da pensadora negra, com três poemas de sua autoria escritos nos anos 1980. A poesia de Beatriz é um retrato urgente e contemporâneo das formas de resistir contra a violência, a impunidade e o racismo.
Para Cícera Barbosa, coordenadora da Galeria da Liberdade, a nova exposição é um marco no processo de ressignificação do espaço de Memória onde funciona, antes ocupado pelo antigo Mausoléu Castello Branco. “A realização de Mulheres em Luta! Arquivos de memória política é um gesto que anuncia uma nova relação entre a memória do Ceará e os sujeitos que lutaram por democracia durante os anos da Ditadura Civil Militar. A partir de exposições e de uma programação intensa de rodas de conversas, oficinas e rotas pelos Lugares de Memórias materializamos coletivamente um anseio antigo do Movimento de Memória, Verdade e Justiça no Ceará”, explica Cícera Barbosa.
A diretora técnica do Memorial da Resistência de São Paulo, Ana Pato, ressalta que o olhar para a ditadura a partir de uma perspectiva de gênero é a linha que tece a exposição Mulheres em Luta! Arquivos de memória política. Em cartaz no Memorial da Resistência de São Paulo até julho de 2024, a mostra chega à Galeria da Liberdade, apresentando a participação e a contribuição de mulheres na construção política do nosso país. “Ao trazermos as vozes dessas mulheres que lutaram e lutam pela democracia, no edifício ocupado anteriormente pelo Mausoléu Castelo Branco e agora ressignificado na Galeria da Liberdade, representa um reconhecimento da força política das mulheres em sua luta por memória, verdade e justiça”, avalia Ana Pato.
Histórico e características do espaço
A Galeria da Liberdade foi aberta em 18 de junho de 2025, com a exposição “Negro é um rio que navego em sonhos”. A criação da Galeria afirma a centralidade da luta pela garantia de direitos humanos na construção de uma sociedade mais democrática e diversa, na qual a cultura e a educação são fundamentais para o exercício pleno da cidadania e o combate ao racismo. Trata-se de um lugar de experimentação artística, no qual o som e a imagem narram o passado e fazem imaginar, coletivamente, outros futuros.
O horário de funcionamento é quarta e quinta-feira, das 10h às 18h, e sexta e sábado, das 13h às 20h, com acesso permitido até meia hora antes do fechamento.
Sobre o Memorial da Resistência de São Paulo
O Memorial da Resistência de São Paulo é um museu da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo dedicado à memória política das resistências e da luta pela democracia no Brasil, que tem como missão a valorização da cidadania, da pesquisa e da educação a partir de uma perspectiva plural e diversa sobre o passado, o presente e o futuro.
Aberto ao público em 2009, o museu é um lugar de memória dedicado a preservar a história do prédio onde operou entre 1939 e 1983 o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops/SP), uma das polícias políticas mais truculentas da história do país.
Por meio de exposições temáticas de grande impacto social, ações educativas, atividades para pessoas com deficiência e programações culturais gratuitas, o museu se consolidou como referência em Educação em Direitos Humanos, promovendo o pensamento crítico e desenvolvendo atividades sobre Direitos Humanos, Repressão, Resistência e Patrimônio.
Serviço:
Galeria da Liberdade
Abertura da Exposição “Mulheres em Luta! Arquivos de memória política”
12 de setembro de 2025
Horário: 16 h
Avenida Barão de Studart, 505
Exposição “Mulheres em Luta Arquivos de Memória Política”
Biografias de mulheres que integram a instalação Partitura da Escuta (2023), de Bianca Turner
Ana Maria do Carmo Silva (Ana Dias)
Ana Maria do Carmo Silva nasceu em 1943 na
cidade de Pitangueiras (SP). Em 1965, casou-se com Santo Dias, passando a ser conhecida como Ana Dias, e estabeleceu residência na periferia da Zona Sul da capital paulista. Seu esposo, operário, atuava politicamente na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e em colaboração com grupos ligados à Igreja. Ana, por sua vez, participava ativamente das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e foi uma das fundadoras dos Clubes de Mães da Zona Sul, que lutavam por creches e contra o aumento do custo de vida, em um movimento embrionário do Movimento Contra a Carestia (MCC). Após o assassinato de Santo Dias por policiais, no dia 30 de outubro de 1979, enquanto ele distribuía panfletos em apoio a uma greve em frente à fábrica de lâmpadas Sylvania, em Santo Amaro, Ana, com o apoio de milhares de companheiros, passou a organizar anualmente atos públicos para preservar a memória de Santo e ressaltar sua importância na luta dos trabalhadores e na resistência política contra a Ditadura Civil-Militar.
Ana Maria Martins Soares
Ana Maria Martins Soares nasceu em 1940 em São Paulo (SP). Filha de agricultores, teve uma infância humilde na zona rural da cidade e ingressou na escola somente aos 13 anos, mesma idade em que começou a trabalhar para ajudar no sustento familiar. As duras condições de trabalho nas fábricas a levaram a participar do movimento operário e da Juventude Operária Católica (JOC). Posteriormente, fez o magistério no Instituto de Educação Fernão Dias Paes, onde se articulou junto a um grupo da Juventude Estudantil Católica (JEC). Em seguida, se envolveu com trabalhos de alfabetização nas periferias e passou a se organizar também através da organização Ação Popular (AP). Mais tarde, se transferiu, ao lado de outros companheiros, para o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Na década de 1970, vivendo na Zona Sul de São Paulo, se uniu aos movimentos comunitários que começavam a se estruturar para demandar melhores condições de vida. Participou ativamente de organizações como o Clube de Mães e o Movimento Contra a Carestia (MCC), nos quais também adquiriu experiência de militância feminista. Por suas atividades políticas, foi detida quatro vezes entre 1968 e 1979. Foi diretora da Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM) e presidente da Federação Estadual das Associações Comunitárias de São Paulo, além eleger-se deputada estadual por São Paulo e vereadora da capital pelo PCdoB.
Darci Miyaki
Darci Toshiko Miyaki nasceu em 1945 em Araçatuba (SP). Seu interesse por questões sociais e políticas surgiu quando ainda cursava o Ensino Secundarista. Em 1967, entrou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) e se envolveu com um grupo de professores e estudantes que atuavam junto ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com a dissidência do partido, Darci aderiu à formação do Agrupamento Comunista que, em seguida, deu origem à Ação Libertadora Nacional (ALN). Em 1969, realizou treinamento militar em Cuba e foi a primeira brasileira a ir para a Coréia do Norte, onde também realizou treinamento. Clandestinamente, voltou ao Brasil no ano de 1970 e tornou-se integrante do setor estratégico da ALN, atuando em São Paulo e no Rio de Janeiro. Foi presa em 25 de janeiro de 1972, no Rio de Janeiro, pela equipe do DOI-Codi/RJ. Após três dias, foi transferida para o DOI-Codi/SP, onde permaneceu sequestrada por sete meses. Após a formalização da prisão, cumpriu sua pena no Presídio Tiradentes e no Presídio do Hipódromo, somando um ano e meio de encarceramento. Em 2013, prestou depoimento à Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, do Estado de São Paulo.
Dilma Rousseff
Dilma Vana Rousseff nasceu em 1947 em Belo Horizonte (MG). Em 1964, ingressou no Colégio Estadual Central, na capital mineira, onde cursou o ensino médio e iniciou sua trajetória de militância contra a Ditadura Civil-Militar através do movimento estudantil. A partir de 1967, passou a atuar em setores estratégicos das organizações de esquerda: Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Comando de Libertação Nacional (Colina) e por fim, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Foi presa em janeiro de 1970 por agentes do DOI-Codi/SP e, durante o período de prisão, passou por diferentes cárceres instalados pela repressão em São Paulo, incluindo o Deops/SP. Foi solta em 1973, após julgamento. Em 1977, graduou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, na década de 1980, iniciou sua carreira política. Dentre outros cargos públicos, foi eleita presidente da República em 2010, tendo sido reeleita em 2014. Manteve-se no cargo até sua deposição em 2016, quando o Senado Federal aprovou seu pedido de impeachment.
Eleonora Menicucci
Eleonora Menicucci de Oliveira nasceu em 1944 na cidade de Lavras (MG). Socióloga de formação, é professora titular em Saúde Coletiva no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Durante o período da Ditadura Civil-Militar, participou da luta armada em organizações de esquerda até ser presa, em 1971, junto com sua filha de um ano e dez meses de idade. Durante sua prisão, passou por diversos centros de aprisionamento entre São Paulo e Minas Gerais, tendo sido submetida a torturas físicas e psicológicas. Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), engajou-se na luta pelo feminismo no final da década de 1970 e, desde então, mantém-se ativa nesta militância. Entre 2012 e 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, Eleonora ocupou o cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). É Professora Titular Sênior do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina de UNIFESP e, desde 2022, é Professora Visitante Sênior da Universidade Federal do ABC - UFABC. Em 2023, assumiu a presidência do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.
Guiomar Silva Lopes
Guiomar Silva Lopes nasceu em 1944 na cidade de São Paulo (SP). Iniciou sua militância política em 1965, através do movimento estudantil. Participou do agrupamento Dissidência Universitária de São Paulo (DISP) e, ao final de 1968, integrou-se à Ação Libertadora Nacional (ALN), entrando na clandestinidade. Esteve envolvida em diversas ações armadas e alcançou o posto de comandante de um Grupo Tático Armado (GTA). Foi presa em março de 1970 pela equipe do DOI-Codi/SP e ficou também detida no Deops/SP, até ser transferida para o Presídio Tiradentes, fixando-se na ala conhecida como “Torre das Donzelas”. Foi, então, transferida para a Penitenciária Feminina e para a Casa do Egresso, totalizando quatro anos de prisão em regime fechado e outros quatro anos em liberdade condicional. Formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e foi, entre 2013 e 2016, Coordenadora de Políticas para a População Idosa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Recebeu anistia política e indenização em instâncias federal e estadual no ano de 2008.
Ilda Martins da Silva
Ilda Martins da Silva nasceu em 1931 em Lucianópolis (SP). Emigrou para a capital e ingressou profissionalmente como operária da fábrica Nitro Química, localizada na Zona Leste, integrando-se ao movimento da causa operária na década de 1950. No ambiente de trabalho e no contexto das lutas sindicais, conheceu Virgílio Gomes da Silva que era, à época, membro do quadro político do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ilda se casou com Virgílio em 1960 e juntos tiveram quatro filhos. Para dedicar-se à casa e à família, Ilda deixou o trabalho na fábrica e permaneceu prestando apoio à militância de seu marido e seus companheiros. Com o recrudescimento da repressão, Virgílio aderiu à luta armada em 1968 através da Ação Libertadora Nacional (ALN). Sob intensa perseguição policial, Ilda foi presa em um aparelho no litoral paulista junto com três de seus filhos no dia 30 de setembro de 1969. Virgílio, que havia sido detido na noite anterior, falecera sob tortura no mesmo dia. Nas dependências do DOI-Codi/SP, Ilda foi separada de seus filhos, que foram encaminhados ao Deops/SP e, depois, ao Juizado de Menores, onde permaneceram presos por dois meses. Além do DOI-Codi/SP, esteve presa no Deops/SP e no Presídio Tiradentes. Nove meses depois, foi solta sem qualquer registro de sua passagem pelos cárceres. Em 1972, recomeçou sua vida ao lado dos filhos em Cuba, regressando ao Brasil somente em 1991. Até hoje, os restos mortais de Virgílio Gomes da Silva – considerado o primeiro desaparecido político da Ditadura Civil-Militar – permanecem desaparecidos. O único laudo localizado sobre o paradeiro de Virgílio menciona apenas a informação de morte presumida, sem maiores esclarecimentos.
Lenira Machado
Lenira Machado nasceu em 1940 em São Paulo (SP). Formada em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), atuou junto ao movimento estudantil na década de 1960 e, posteriormente, integrou-se como militante das Ligas Camponesas, desenvolvendo uma série de trabalhos de base. Entre 1961 e 1964, se envolveu na organização e criação do Conselho Nacional das Ligas Camponesas no Sul do país. Também integrou a Ação Popular (AP) e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) durante a Ditadura Civil-Militar. Em função de seu envolvimento político com a esquerda, foi presa em São Paulo pela primeira vez no ano de 1971 e pela segunda vez em 1974, cumprindo ao todo dois anos e oito meses de prisão, com passagens pelo DOI-Codi/SP, Deops/SP e Presídio Tiradentes. Após o período, integrou-se ao Movimento Feminino pela Anistia, responsável pela criação do jornal Maria Quitéria, lançado em 1978, marcando mais um importante episódio de sua incessante militância política. Lenira faleceu em março de 2023.
Marcinha do Corintho
Marcinha do Corintho, travesti transformista, nasceu em Belo Horizonte (MG) em 1967 e mudou-se para São Paulo aos três anos de idade para morar com a avó, após a morte da mãe. Aos 14 anos iniciou o processo de transição de gênero e, aos 16 anos, começou a trabalhar na boate Nostro Mondo, na capital paulista. Logo cedo teve contato com outras travestis importantes na história da cultura noturna de São Paulo. Além de Condessa Mônica, Marcinha conviveu com Andrea de Mayo, Rogéria e Cristina Ortiz Rodríguez. Aos 16 anos, teve sua primeira experiência na Europa ao viajar para Madrid, onde permaneceu por cerca de 20 dias, até ser deportada de volta ao Brasil. Em sua volta, exerceu diferentes trabalhos como transformista, incluindo produções de visibilidade nacional como o Programa do Silvio Santos, Clube do Bolinha e Show de Calouros. Conta que durante a Ditadura Civil-Militar do Brasil, por volta da década de 1980, as travestis já eram amplamente estigmatizadas e perseguidas, tendo a polícia como a principal inimiga, com especial destaque para o delegado de Polícia Civil, José Wilson Richetti. Devido à violência, retornou à Europa, onde viveu por 30 anos. Atualmente, de volta ao país, continua a se apresentar em espetáculos.
Margarida Maria do Amaral Lopes
Margarida Maria do Amaral Lopes, mais conhecida por Guida, nasceu em 1951 na capital paulista. Por influência de seu pai, cresceu envolvida pela ideologia comunista e, antes de completar 18 anos de idade, ingressou como militante da Ala Vermelha, onde logo foi viver em um aparelho da organização juntamente com outros companheiros. Na manhã do dia 31 de agosto de 1969, o aparelho foi cercado pela polícia política, que acabou prendendo Guida e seu companheiro de militância e namorado à época, Vicente Gomes Roig. Juntos foram levados para o Quartel General do II Exército onde enfrentaram os primeiros interrogatórios pautados por tortura. Em seguida, foram transferidos para o Deops/SP, recebendo tratamento semelhante. Guida permaneceu ali por aproximadamente dois meses, até ser transferida para o Presídio Tiradentes, somando seis meses de detenção. Logo após a soltura, seguiu para o exílio na França onde já vivia sua irmã, também perseguida política. Ao longo dos quase nove anos em que viveu no país europeu, trabalhou, estudou e envolveu-se com outros exilados políticos através do Comitê Brasileiro pela Anistia e assim, seguiu apoiando a luta de resistência do Brasil. Atualmente, Guida trabalha como mediadora de conflitos e colabora com o movimento feminista em São Paulo.
Maria Amélia de Almeida Teles
Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida como Amelinha, nasceu em 1944 em Contagem (MG). Sua militância política teve início em 1960, quando ainda muito jovem, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) por influência de seu pai. Ao lado de Criméia, sua irmã mais jovem, foi presa em 1964 logo após o golpe no Quartel do Barro Preto na capital mineira, onde permaneceram detidas por duas noites acusadas de subversão. Em 1968, com o racha interno do PCB, as irmãs, vivendo em situação de clandestinidade desde 1965, decidiram aderir ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), convictas da necessidade da luta armada diante da dada conjuntura política. Amelinha, então casada com o militante César Teles, passou a atuar junto à imprensa do partido. Em sua segunda prisão, ocorrida em 1972, Amelinha, César e Carlos Nicolau Danielli, companheiro de militância do casal, foram capturados pela equipe da Operação Bandeirantes (OBAN). Em sua trajetória carcerária, passou pelo DOI-Codi/SP, Deops/SP, Presídio do Hipódromo e por fim, pela Casa do Egresso, somando aproximadamente dez meses de reclusão. Após a soltura, deu continuidade à militância política, que tem entre suas principais bandeiras o movimento feminista e a busca pelos mortos e desaparecidos políticos, sendo assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva e da Comissão da Memória e da Verdade da Prefeitura de São Paulo (CMV). Atualmente, é diretora da União de Mulheres de São Paulo, coordenadora do Projeto Promotoras Legais Populares e integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Maria Aparecida dos Santos (Iyá Cida)
Maria Aparecida dos Santos, Iyá Cida, nasceu na cidade de São Paulo (SP) em 1951, tendo vivenciado o Golpe de 1964 aos 13 anos de idade. Ela conta que durante boa parte da vida estudou em escolas católicas apostólicas romanas, vivendo a ambiguidade das práticas católicas durante o dia, e à noite, batendo tambor com a mãe, figura fundamental em sua formação espiritual. Durante a Ditadura Civil-Militar e os mecanismos de vigência da censura, relata que, por volta dos 16 anos, marcava encontros com seus primos e primas na Igreja do Rosário dos Homens Pretos para, após as celebrações religiosas, dirigirem-se aos fundos do estabelecimento e terem momentos de conversa sobre posicionamentos políticos. Ainda na juventude trabalhou na educação de base do Partido dos Trabalhadores (PT), citando o Largo 13 de Maio como uma importante referência para encontrar pessoas discordantes do regime vigente. Em sua trajetória, relembra como se tornou Iyá no Candomblé, considerando que, ao se falar de religiosidades de matriz africana, inevitavelmente se aborda linhagens femininas que sustentam as práticas religiosas, mesmo que, ao longo do tempo, as formações culturais da sociedade sobre as questões de gênero tenham acarretado maior destaque aos Babalorixás (pais de santo) em detrimento das Iyás (mães de santo).
Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes
Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, de apelido Dodora, nasceu em 1940 em Belo Horizonte (BH). Desde o ensino secundarista, Dodora atuou como militante. Inicialmente, integrou a Ação Católica (AC) e, em meados de 1962, aderiu à Ação Popular (AP). Formou-se em Psicologia em 1963, mesmo ano em que se casou com Aldo Arantes, mudando-se para Brasília. Com a deflagração do Golpe de 1964, o casal, que já era visado politicamente, exilou-se no Uruguai até meados de 1966. Em 1968, Dodora, por desígnio da AP, mudou-se com Aldo e seus dois filhos pequenos para a cidade de Pariconha, no sertão de Alagoas, para cumprir uma frente de trabalho com encaminhamentos políticos junto à população local. No final de 1968 foi presa e, ao longo de seis meses, passou por diversos cárceres no Estado de Alagoas, sempre acompanhada dos filhos, mantidos sem registro pelo regime. É mestre em Psicologia Clínica e doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Integrou a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) entre 2011 e 2013 e o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Maria José Soares
Maria José Soares nasceu na cidade de Paulista (PE) em 15 de fevereiro de 1945. Em 1961, mudou-se para a capital paulista, onde iniciou seus estudos religiosos. Em 1969, retornou a Pernambuco e ingressou como operária na General Electric do Nordeste. Nesse mesmo período, envolveu-se com o Movimento de Evangelização liderado por Dom Hélder Câmara e com a Juventude Operária Católica (JOC). Em 1972, após a prisão de alguns companheiros da fábrica, Maria José passou a sofrer perseguição política, o que resultou em sua demissão. Em 1973, regressou a São Paulo e, atuando como metalúrgica na Philco, envolveu-se com as lutas operárias em curso, ao lado dos militantes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP) e da Pastoral Operária (PO). Em 1978, liderou uma greve de ocupação na Philco que trouxe importantes vitórias, mas acarretou nova demissão. Apesar dos efeitos sofridos, permaneceu na militância pelos direitos trabalhistas intervindo, sobretudo, na região do Tatuapé, na Zona Leste. Como consequência, foi detida em duas ocasiões, tendo sido levada ao Deops/SP e liberada em seguida. Ao longo da década de 1980, Maria José deu continuidade à militância sindical como metalúrgica. Na década seguinte, devido à diminuição de oportunidades na área, passou a atuar como agente administrativa de saúde na Prefeitura de São Paulo, ofício pelo qual se aposentou.
Marisa Fernandes
Marisa Fernandes nasceu em 1953 no município de Santo André (SP). Formou-se em História pela Universidade de São Paulo (USP) e atuou nas áreas de educação e promoção de políticas públicas e direitos humanos, atuando no Conselho Estadual da Condição Feminina, da Secretaria de Saúde e da Secretaria de Relações do Trabalho. Foi também ouvidora do sistema penitenciário paulista durante oito anos, função que exerceu até se aposentar. Sua trajetória de militância política, inicialmente desenvolvida no movimento estudantil, aprofundou-se a partir de 1978, ano em que se aproximou do Grupo SOMOS de Afirmação Homossexual ao lado de outras mulheres lésbicas. Em consideração às demandas particulares da luta das mulheres dentro do Grupo, criou-se a Facção Lésbico Feminista (LF) que, após um racha interna, passou a denominar-se Grupo de Ação Lésbico Feminista (GALF). Como militante desses grupos organizados, Marisa protagonizou diversas ações e colaborou diretamente com a luta contra o preconceito, a discriminação e pela visibilidade lésbica e feminista em tempos de ditadura, perpetuando sua militância também após a redemocratização.
Nair Benedicto
Nair Benedicto nasceu em 1940 em São Paulo (SP). Formou-se pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em 1972, ano em que iniciou sua carreira como fotógrafa profissional. Antes disso, porém, foi presa pela Ditadura Civil-Militar em decorrência de sua militância política junto à Ação Libertadora Nacional (ALN). Após sair da prisão, Nair assumiu uma produção fotográfica engajada com a questão da justiça social e fortemente marcada por temas populares e políticos. Em sua obra, Nair registra o cotidiano e a realidade das classes minoritárias, a condição das mulheres e das crianças, alguns movimentos sociais e populares e eventos históricos que fazem parte da história da classe trabalhadora nos séculos XX e XXI. No início dos anos 1980 fundou, ao lado de outros fotógrafos, a Agência F4, precursora na área da fotodocumentação no Brasil. Participou da produção de inúmeros livros, entre eles A Greve do ABC e A questão do Menor e de audiovisuais sobre sexualidade, violência contra a mulher, os grandes projetos desenvolvimentistas na Amazônia e os povos indígenas.
Neon Cunha
Neon Cunha nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1970, mudando-se para São Paulo logo após seu nascimento, junto com seus familiares. Em suas memórias, revela a constituição da vida privada durante a Ditadura Civil-Militar, a partir da intersecção de classe, raça e gênero. Em sua narrativa, Neon aborda a importância de perceber que os movimentos ditatoriais não foram unicamente uma imposição militar, mas que as práticas culturais conservadoras legitimavam a configuração institucional da época. Em seus locais de memória, ressalta a importância do candomblé para permanecer viva e da resistência LGBT+ na cidade de São Paulo, considerando como se constituíam as redes de resistência, mesmo diante das batidas policiais. Trabalhando em São Bernardo do Campo (SP), conta da proximidade com as pautas de esquerda e da afeição que tinha pelo político Leonel Brizola, bem como o fato de que a ditadura brasileira não acabou em 1985 para quem é pobre, preto e trans, considerando as emergências conservadoras da atualidade.
Neusa Maria Pereira
Neusa Maria Pereira nasceu no dia 24 de agosto de 1955 em São Paulo (SP). Concluiu o Ensino Médio no Colégio Presbiteriano Mackenzie e formou-se em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Além da experiência como repórter e revisora em jornais da grande imprensa, trabalhou como redatora no jornal Versus. Importante representante da imprensa alternativa, o Versus existiu de 1975 a 1979, durante a Ditadura Civil-Militar. A contratação de Neusa pelo jornal se deu a partir da publicação de um artigo por ela escrito, intitulado “Em defesa da dignidade das mulheres negras em uma sociedade racista”. A partir daí, passou a desenvolver periodicamente o suplemento chamado Afro Latino América, que contava também com a participação de outros colaboradores. Inserida, definitivamente, no âmbito da militância do movimento negro, Neusa participou da fundação de um grupo de mulheres negras chamado Fé Cega, Faca Amolada. Ao lado de outros grupos engajados na mesma causa, Neusa e suas companheiras participaram da organização e da realização do ato público realizado nas escadarias do Theatro Municipal em 1978, que marcou a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU). Fundou sua própria editora, a Abayomi Comunicação, que produz o jornal Escrita Feminina, cuja primeira publicação ocorreu em 2013, e foi distribuída para mulheres da periferia de São Paulo.
Rita Sipahi
Rita Maria de Miranda Sipahi nasceu em 1938 em Fortaleza (CE), onde iniciou sua graduação em Direito concluindo-a em Recife (PE), em 1964. Ingressou na militância em 1962, através da Juventude Universitária Católica (JUC) e da recém-criada Ação Popular (AP), ambas ligadas ao movimento estudantil. Devido à perseguição política sofrida por Rita e seu então marido, Antônio Othon Pires, foram obrigados a se mudar de cidade algumas vezes, passando por Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Rita foi presa em 1971 pela OBAN no Rio de Janeiro, onde vivia com seus dois filhos pequenos. Foi então transferida para São Paulo, onde cumpriu pena por quase um ano, passando pelo DOI-Codi/SP, Deops/SP e Presídio Tiradentes, onde viveu por onze meses. No local, conheceu seu companheiro Alípio Freire, também ex-preso político. Atualmente, é conselheira da Comissão da Anistia, do Ministério da Justiça.
Rosemeire Nogueira
Rosemeire Nogueira nasceu em 1946 em Jacareí (SP). Formada em jornalismo, trabalhou como repórter do Jornal da Tarde na capital paulista. Paralelo à profissão, em luta contra a Ditadura Civil-Militar, prestava apoio logístico à Ação Libertadora Nacional (ALN), organização a qual também pertencia seu então marido, Luís Roberto Clauset. Rose foi presa no dia 4 de novembro de 1969, data em que foi assassinado o líder revolucionário Carlos Marighella. Rose teve sua casa invadida pelo Esquadrão da Morte, organização paramilitar liderada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Sua captura aconteceu apenas um mês após ter dado à luz a seu filho, enquanto ainda se recuperava de complicações decorrentes do parto. Trazida diretamente ao Deops/SP, permaneceu presa por quase dois meses, enfrentando a tortura e a precariedade de higiene e alimentação. Concluiu sua pena no Presídio Tiradentes, totalizando nove meses de encarceramento. Entre 2006 e 2009, presidiu o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP) e, em 2011, recebeu o título de Cidadã Paulistana. É presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
Sofia Dias Batista
Sofia Dias Batista nasceu na cidade de Apiaí
(SP) em 1951. Nascida no seio de uma família católica, tornou-se catequista em 1964, influenciada pelo pensamento das Cônegas de Santo Agostinho, que contribuíram para sua formação religiosa e política. Em 1970, ao mudar-se para a capital paulista, ingressou na Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP) e, após se formar, atuou por alguns anos como professora no Vale do Ribeira. Em 1977, mudou de área ao ser contratada como operária da linha de montagem da Philco, à época instalada na Zona Leste de São Paulo. Neste contexto, aproximou-se da Pastoral Operária e das Comunidades Eclesiais de Base, que colaboravam com o movimento operário fazendo frente à repressão imposta pela Ditadura Civil-Militar. Neste processo, Sofia ingressou como membro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP), aprofundando sua prática de militância. Em 1978, atuou como uma das lideranças responsáveis pelo planejamento e execução da primeira greve da Philco, que paralisou mais de oito mil trabalhadores em reivindicação por melhorias nas condições de trabalho. Em 1979, já demitida da empresa por agitação política, Sofia colaborou para a deflagração da segunda greve da Philco, realizada para exigir ajustes salarias. Em decorrência de sua militância, foi perseguida pelo Deops/SP, sendo detida nas duas greves que participou. Atualmente está engajada no Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica e participa como membro do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. Também colaborou no Grupo de Trabalho formado pela Comissão Nacional da Verdade, sobre Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical.
Thaís de Azevedo
Thaís de Azevedo nasceu em 1949, na cidade de Várzea da Palma (MG). Ainda aos 13 anos de idade, mudou-se para o Rio de Janeiro para continuar os estudos. Na cidade do Rio de Janeiro e em Niterói teve a possibilidade de viver a descoberta de seu gênero e sexualidade. Viu de perto, entretanto, os processos de repressão da Ditadura Civil-Militar diante das dissidências relacionadas a essas questões. Ela conta sobre as frequentes prisões realizadas pelos militares contra pré-adolescentes e jovens adolescentes, destacando os abusos sexuais exercidos pelos policiais na delegacia. Aproximadamente dez anos depois, mudou-se do Rio de Janeiro para a cidade de São Paulo trabalhando como modelo no Shopping Center Ibirapuera. Conta que, por sua aparência feminina, subverteu espaços conservadores que por muito tempo não desconfiaram de sua transgeneridade. Passou anos em trânsitos provisórios entre Roma, Paris, e São Paulo, até assentar-se de vez nesta última cidade em 1997. Na década de 1980, viveu e lutou ativamente contra a epidemia de HIV-Aids, desenvolvendo trabalhos para Brenda Lee. Nesse contexto, enfrentou também momentos de intensa repressão política, que se conectavam à perseguição contra as pessoas LGBT+ durante a Ditadura Militar, à ausência de tratamentos antirretrovirais eficazes, à normatividade que limitava as expressões de gênero e sexualidade, deslegitimando as travestis em suas práticas políticas, e à dificuldade de falar abertamente sobre HIV-Aids em meio ao conservadorismo social e à repressão política. Faleceu em 2024, em São Paulo, deixando um legado de luta pela dignidade e visibilidade trans no Brasil.