Um episódio de brutalidade extrema cometido contra uma mulher voltou a expor a gravidade da violência de gênero no Brasil. No último domingo (27), o ex-jogador de basquete Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, foi preso em flagrante após agredir violentamente sua namorada,Juliana Garcia dos Santos, de 26 anos, com 61 socos no rosto, dentro de um flat em Natal, no Rio Grande do Norte. A vítima conseguiu fugir após pedir ajuda na portaria do prédio, com o rosto desfigurado e em estado de choque.
As imagens das câmeras de segurança mostram a jovem saindo do elevador desnorteada e sangrando, evidência que deve ser crucial para a investigação. A polícia afirma que o caso está sendo tratado como tentativa de feminicídio, com base na intensidade da violência, nos relatos da vítima e no histórico do agressor, que já havia sido denunciado por outras duas mulheres por agressões semelhantes.
A Advogada Criminalista Lorena Pontes, afirma que o histórico de reincidência e a forma como o crime foi cometido tornam o caso ainda mais grave. “Não se trata de um episódio isolado ou de uma agressão impensada. Há um padrão de comportamento violento e controlador. A reincidência, combinada com a brutalidade e a ameaça de morte, configura tentativa de feminicídio, que é um crime hediondo”, explica a jurista.
Dados alarmantes: 10 mulheres são mortas por dia no país
Em 2025, os dados divulgados pelo Atlas da Violência impactou ao revelar que dez mulheres são mortas por dia no Brasil. Os números oscilam entre os estados, mas a taxa nacional registra 3,5 a cada 100.000 mulheres. As maiores vítimas registradas são mulheres negras. O número vai na contramão dos dados que vinham sendo publicados, a princípio os números vinham apresentando quedas e no novo artigo apresentado teve um aumento de 2,5% nos registros. Dados de crimes não letais também assustam. Em 2023, foram registrados 177.086 atendimentos a vítimas de violência doméstica, crescimento de 22,7% em relação a 2022. Desse registro, uma em cada quatro vítimas tinha entre 0 e 14 anos.
“Esses números são apenas a ponta do iceberg. Milhares de mulheres sofrem caladas por medo, dependência emocional ou econômica. Casos extremos como o de Igor geram indignação pública, mas é fundamental lembrar que há uma epidemia silenciosa de violência ocorrendo todos os dias”, afirma Lorena.
Lei Maria da Penha: 17 anos de avanços, mas com lacunas na aplicação
Criada em 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é considerada um marco no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela estabelece mecanismos de proteção e punição, incluindo:
• Medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar
• Proibição de contato com a vítima
• Prisão preventiva do autor em caso de descumprimento
• Atendimento psicológico e jurídico às vítimas
• Criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
Apesar da legislação robusta, a especialista aponta falhas na execução e fiscalização das medidas protetivas. “A Lei Maria da Penha é extremamente avançada, mas esbarra em gargalos estruturais: falta de pessoal especializado, morosidade judicial e dificuldade de acesso à informação pelas vítimas. Muitas mulheres sequer sabem como acionar os mecanismos de proteção ou não têm coragem por medo de represálias”, explica Lorena Pontes.
Ela também destaca que, em casos de reincidência como o de Igor, a Justiça precisa atuar com mais agilidade e firmeza: “Homens com histórico de violência não podem permanecer livres até que façam uma nova vítima. A responsabilização penal precisa ser exemplar, não apenas para punir, mas para prevenir. A impunidade estimula a repetição da violência.”
O papel da sociedade e o silêncio que mata
Além da atuação estatal, a especialista destaca que o enfrentamento à violência contra a mulher exige envolvimento da sociedade como um todo. “É preciso romper com a cultura do silêncio. Vizinhos, amigos, familiares, todos têm papel crucial na denúncia. Quando uma mulher apanha, a responsabilidade também recai sobre quem viu e se calou.”
A vítima permanece internada, passando por exames e procedimentos cirúrgicos. Segundo as autoridades, ela está sendo acompanhada por uma equipe multidisciplinar e receberá assistência psicológica e jurídica.
Enquanto isso, Igor segue preso preventivamente. A expectativa é que o Ministério Público formalize a denúncia nos próximos dias. Ele poderá responder por tentativa de feminicídio, lesão corporal grave, ameaça e descumprimento da dignidade da pessoa humana, o que pode resultar em pena superior a 20 anos, se o acusado for condenado.
“A violência doméstica é a manifestação mais cruel do machismo estrutural. É preciso combater não só o crime, mas a mentalidade que o alimenta”, finaliza a advogada.
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